De relevância e importância na mesma proporção durante a pandemia, o modelo de telemedicina ganhou status de Lei a partir do final de 2022. Embora sua história tenha cerca de 20 anos, a regulamentação dessa modalidade de atendimento ocorreu somente no final de 2022. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a regulamentação trouxe mais segurança aos profissionais médicos e da saúde como um todo, bem como mais autonomia e flexibilidade aos pacientes. Contudo, ela também escancara injustiças que podem ser parcialmente remediadas ao passo que democratiza o acesso ao atendimento médico em regiões longínquas deste País.
Pesquisa realizada pela Anahp – Associação Nacional de Hospitais Privados, revelou que, 4 em cada 10 pessoas, apontam carências no sistema de saúde público e privado no Brasil, e 40% afirmaram ter dificuldades em fazer exames no sistema público. Dado chocante, mas realístico.
Já dados da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, retratam que a prática aumentou o potencial de salvar vidas, já que, segundo a entidade, entre 2020 e 2021, mais de 7,5 milhões de atendimentos foram realizados via telemedicina no Brasil por mais de 52,2 mil médicos. Dados comprovam que o índice de resolutividade dos atendimentos foi de 91% sem a necessidade do paciente se deslocar para o pronto-socorro.
Segundo a Agência Nacional de Saúde – ANS, a permanência no PS pode ultrapassar a marca de duas horas, a depender da classificação de risco do paciente, isso sem mencionar a alta exposição a outras patologias transmissíveis em ambientes coletivos. Dados mostram, ainda, que cerca de 80% dos pacientes que vão até o PS poderiam ser atendidos via telemedicina e ter o problema resolvido sem necessidade de deslocamento.
O SUS pode ser um dos mais beneficiados com a regulamentação da telemedicina, pois, além de possibilitar um processo de inovação ao sistema – e para as pessoas que nele atuam -, a lei possibilita a ampliação do atendimento à população. A telemedicina pode ser aliada das pessoas que não têm acesso à saúde pública ou privada devido à distância de casa até o local de atendimento, seja no interior ou nas capitais do País. Atualmente, boa parte dos brasileiros precisa se deslocar numa distância de 50 a 100 quilômetros em busca de atendimento, gerando custos altos para pacientes, prefeituras e o próprio SUS.
Alguns dados ajudam a ilustrar essa visão. Uma pesquisa Global Health Service Monitor, de 2021, mostra que nove em cada dez brasileiros afirmam não ter condições de pagar por saúde de qualidade. O levantamento feito no Brasil e outros 29 países, com pessoas de 16 a 74 anos, revelou que no território nacional as dificuldades de acesso ao tratamento e longos períodos de espera estão entre os principais problemas da saúde brasileira, segundo 45% do público entrevistado.
Fora as dificuldades de acesso: 47% dos entrevistados afirmaram que é difícil conseguir consultas médicas perto dos locais onde moram. A mesma pesquisa apontou, ainda, que 50% das pessoas entrevistadas veem falta de investimento em saúde preventiva, o que aponta não só uma boa oportunidade para a promoção da telemedicina preventiva, e de como ela pode trazer mais qualidade de vida às pessoas.
Atendimento – ponto culminante
A lei definitiva que regulamentou a atividade deixa claro que o atendimento virtual ou presencial é definido em comum acordo entre médico e paciente, ficando estabelecido o momento, se houver, de ocorrer um atendimento presencial. Em resolução do CFM, anterior à Lei, ficou determinado que fossem realizadas consultas presenciais em intervalos de até 180 dias para pacientes com doenças crônicas, ou que necessitam de um acompanhamento por um longo período, sendo que a Lei da Telessaúde deixa claro não haver momento específico para essa definição.
A regulamentação é de validade nacional, assim não é necessário que o profissional de saúde faça a emissão de uma inscrição secundária ou complementar para exercer a atividade atendendo pacientes em todo território brasileiro, ao exemplo do que ocorre com o Conselho Federal de Medicina (CFM) no caso dos médicos ou o Conselho Federal de Psicologia (CFP) para parte dos profissionais de saúde mental.
A lei estabelece, ainda, direitos e deveres tanto aos pacientes, quanto para os profissionais de saúde, que passam a ter autonomia no exercício da telemedicina, podendo recusar o atendimento à distância. Isso vale para o paciente, que pode solicitar o atendimento presencial, sendo livre para escolher o modelo de atendimento que considera mais adequado.
Desafios
Além dos dados positivos, no entanto, existem muitos obstáculos a serem superados no exercício da telemedicina. Levantamento feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) expõe como a desigualdade socioeconômica está presente também na telessaúde. Pelo menos metade da população brasileira utilizou esse serviço de saúde online entre 2021 e 2022. Desse montante, as classes A e B foram as que mais utilizam o teleatendimento: 42%. Em seguida, aparecem as classes C (com 22%), D e E (com 20%).
O levantamento, que contou com a participação 5,5 mil pessoas acima dos 16 anos, ressaltou também que 82% dos pacientes das classes A e B fizeram o atendimento online na rede privada. Nas classes D e E, os números estão próximos, 78%, mas esse percentual representa as consultas feitas na rede pública. Outra disparidade foi evidenciada na pesquisa da Cetic, desta vez educacional: cerca de 40% dos brasileiros que utilizaram o serviço de telemedicina têm ensino superior, diante de 22% que concluíram o ensino médio e 21% o fundamental.
Os dados escancaram não só a desigualdade socioeconômica do país, – consequentemente do acesso à saúde -, mas também reforçam a importância que a rede pública tem na vida de milhões de pessoas e de como a oportunidade de ter formação acadêmica é fator relevante, ou quase que preponderante, para que as pessoas também tenham acesso à telemedicina.
Sabemos que a medicina sempre foi tecnológica, científica e esteve na vanguarda da inovação em diversas fases da nossa história. Além de criarmos e contribuirmos com a transformação digital, devemos abraçar as tecnologias que surgem de outros setores. Esse ferramental, sem dúvida aproxima e cria pontes para quem necessita de cuidados médicos, e a regulamentação veio sim para aprimorar o bom atendimento e eliminar más condutas do setor. No final, temos a telemedicina que sonhamos; ou pelo menos o início dela.
Avante!
* Dr. Leonardo Jorge Cordeiro de Paula é cardiologista, diretor técnico e acadêmico da Escola Brasileira de Medicina (EBRAMED), especialista em Gestão de Saúde e Educação, e atualmente é cardiologista clínico do Incor – Instituto do Coração.
*Marcus Vinicius Tatagiba é CEO e fundador da Educar Mais, grupo de educação que administra a Escola Brasileira de Medicina (EBRAMED).